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João e João

  João e João. O Centro Histórico de São Luís estava muito movimentado. Pessoas caminhavam de um lado a outro. A vida se desdobrava nesse vaivém necessário e contínuo. Olhos nem se cruzavam. Gente parecia nem perceber gente. Ambulantes, médicos, frentistas, advogados alunos, professores. Toda sorte de pessoas se esbarrava, sem que suas histórias sequer fossem conhecidas.   João — talvez pedreiro, ou carpinteiro, ou motorista, quem sabe qualquer profissão —, na velocidade ou calmaria da sua vida, parou o passo, atentou para o chão, sob a sombra da árvore: viu um disjuntor. Isso, um disjuntor. Observou com calma. Fixou um pouco mais, abaixou-se e pegou. Sacudiu com cautela, como quem toma em mãos uma lâmpada mágica em busca de um gênio. Soprou. Tirou a poeira. Analisou se estava boa. Mas não poderia testar.        Aproveitou para descansar, pois estava exausto e suado. O sol era escaldante. Ficou com aquela pequena peça na mão. O que fazer? Pensou estar perdendo tempo. Olhou de um
Postagens recentes

Um Encontro Consigo Mesmo

  Cara Vida, boa tarde.                  Fazia tempo que a ti eu não escrevia. E, verdade, há um bom tempo que eu não sabia mesmo qual era a sensação desse encontro. Perdoe-me o hiato. É que eu pensava que precisava estar holisticamente em equilíbrio para garatujar algumas modestas vivências. Decerto, equivoquei-me quando pensei que precisava de algum estado de alma para fazê-lo. Punivelmente errado. Bem concluí que minh’alma se embebeda todo dia, ainda que não de uma só vez, de todos os sentimentos que tomam o homem. Sinto amor ou ódio, alegria ou tristeza, esperança ou dúvida, coragem e medo, inveja ou altruísmo, ou tantos outros inerentes ao homem. Entendi que minha alma é de fases, mas que não preciso delas para convidar a tinta e a caneta para que nos debrucemos uns sobre os outros.      Reconsidera meu afastamento, imploro. De quando em vez, algumas lacunas da normalidade são necessárias para nos devolver a consciência do que de fato somos e do que porventura possamos estar nos

CRESCIMENTO POR MEIO DE CONTRATEMPOS

"Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as coisas que me aconteceram têm, antes, contribuído para o progresso do evangelho; de maneira que as minhas cadeia s, em Cristo, se tornaram conhecidas de toda a guarda pretoriana e de todos os demais." Filipenses 1.12-13 Temos a enorme facilidade de perdermos o controle das nossas emoções quando estamos inseridos dentro de uma situação na qual não temos sobre ela o controle. Isso é típico do ser humano. É assim quando nos deparamos diante de uma emprego que não alcançamos; ou mesmo quando ficamos sabendo da morte de alguém próximo; ou de uma doença diagnosticada. Enfim, em qualquer dessas ou outras situações que afligem a alma, é muito normal sermos tomados de sentimentos ruins, pensamentos negativos, idéias contrárias e etc.. Somos invadidos por uma avalanche de sensações desconfortantes que causam em nós até mesmo desorientação emocional, espiritual, familiar, financeira. Isso acontece na vida . A atitude contaria é

GANGORRA

Nem percebia que estava cá em baixo. Aqui, tudo era tão normal. Envolvida, minha vida se impregnava de outras vidas. Nada diferente de tantas outras. O ar respirado era tão apropriado, tão adequado à minha necessidade de ter vida e fazer da vida um tempo para tudo que me era permitido. Meu corpo já estava ambientado até mesmo às mudanças. Passado, presente e futuro, de tudo minha alma era envolvida. Eu era um tecido do mais puro linho que a vida pode produzir. Meus elos... Ah, meus elos se entranhavam de outras pensantes e carregavam, sobretudo,  um pouco de cada um, em medida possível. Não nos foi dada a capacidade de ser um Hércules, a ponto de erguer vestígios em grande escala de todos que se nos apresentam na vida. Quisera até fosse. Embora essa deficiência  —  se é que posso ver assim  — , a normalidade cá em baixo, na superfície do relevo das experiências que todos vivem, eu ia caminhando normalmente, tendo os sustos de todo mundo e tantas quantas fossem as alegrias e tris

DESCULPAS - O encontro doloroso com a realidade.

DESCULPAS - O encontro doloroso com a realidade. Olá, digníssima Vida. Hoje talvez nem tenha vindo escrever. Deu-me mais vontade de chorar do que registrar sílabas sobre minhas reações ao funcionamento da vida. E, ainda assim, se somente chorasse sobre o papel, enviá-lo-ia, úmido da minha dor. Andei me recordando de alguns infortúnios. Mas tenha calma, nada que causei a alguém ou que venha a ter prejudicado a outrem. Digo desse prejuízo material do qual estamos acostumados a ver no desenrolar da vida. Não, nada disso. Mas não são coisas do passado?  —  me indagas. Sim. E o que fazer se o passado parece não passar e mais próximo se encontra quando recosto a cabeça ao travesseiro? E não somente nesses momentos. Aplaca-me o peito uma dor funda quando também vejo algumas vidas com as quais mantive contato noutra época. Assim como também me avilta o íntimo ver que o hoje poderia ser diferente. Sim, diferente. Por que?  —  me perguntas. Tem a ver com decisões, com falta de reflexões e

SOBRE A PALAVRA E O SILÊNCIO

A PALAVRA E O SILÊNCIO  Estimada Vida, olá. Sou alma. Por isso escrevo. Tenho uma imensa necessidade de me manter conectado com a vida. Outras vidas. Em mim, arde um bulício de dialogar com outros corações. Aquela conversa franca, desprovida de arranjos ou liturgias. Aquela que brota da simplicidade e na simplicidade. Para isso, letras vão ajudando na medida do possível, pois há momentos que não conseguem. Palavras, aqui e ali,  entristecem-se e me dizem que há emoções e sentimentos sobre os quais a elas é possível somente ficar apreciando, mudas. Entende quando as palavras ficam mudas? Sabia que elas falam e calam. Preciso desses dois momentos delas. A minha alma necessita ser fala e ser silêncio. Tudo a seu tempo certo.  Aprendi a me comunicar, cara Vida, na evocação do ato da linguagem. Em momentos, por meio de sons; noutros, apenas com o olhar; noutros, de olhos fechados, noutros, com lágrimas, noutros, respirando o sonho, noutros, recordando coisas e pessoas. Quando escre

A Construção do Texto

Texto 1: Ela andava descalça. O chão estava frio e a areia era densa . Texto 2: Pisava o chão. A areia estava fria. Seus pés, descalços, abraçavam a terra e naquele momento havia uma identificação com o lugar." Aos meus alunos de produção textual, aí estão dois exemplos claros que fiz, mostrando que se pode dizer a mesma coisa de duas ou mais maneiras diferentes. No primeiro, de forma mais clara e direta; no segundo, o uso da prosopopeia (figura de linguagem usada para tornar mais dramática a comunicação, atribuindo vida e sentimentos humanos às coisas inanimadas) faz com que o período se encha de significado e se envolva de beleza estilística, permitindo ao leitor um panorama receptivo diferente. Portanto, ao lerem os grandes construtores (Machado, Eça de Queiroz, Graciliano, Julio Cortazar, Dostoievski, Clarice Lispector, Raquel de Queiroz, Cecilia Meireles, entre outros) percebam a sensibilidade de como é empregada a palavra para dar significado, beleza e r