Cara Vida, boa tarde.
Fazia
tempo que a ti eu não escrevia. E, verdade, há um bom tempo que eu não
sabia mesmo qual era a sensação desse encontro. Perdoe-me o hiato. É que eu
pensava que precisava estar holisticamente em equilíbrio para garatujar algumas
modestas vivências. Decerto, equivoquei-me quando pensei que precisava de algum
estado de alma para fazê-lo. Punivelmente errado. Bem concluí que minh’alma se
embebeda todo dia, ainda que não de uma só vez, de todos os sentimentos que
tomam o homem. Sinto amor ou ódio, alegria ou tristeza, esperança ou dúvida,
coragem e medo, inveja ou altruísmo, ou tantos outros inerentes ao homem.
Entendi que minha alma é de fases, mas que não preciso delas para convidar a
tinta e a caneta para que nos debrucemos uns sobre os outros.
Reconsidera
meu afastamento, imploro. De quando em vez, algumas lacunas da normalidade são
necessárias para nos devolver a consciência do que de fato somos e do que porventura
possamos estar nos tornando. É como se fosse um mergulho obrigatório dentro de
si mesmo. Li uma frase de uma moça – confidencio que não a conheço – chamada
Simone Marçal: “Chega um tempo, em que precisamos conhecer melhor o nosso outro
lado, o de dentro. É lá que repousam nossas verdades.” Há uma versão de nós
mesmos que amiúde não conhecemos e insistimos em continuar nossas aventuras,
amores, conquistas, lutas, sonhos ou decepções, como se não necessitássemos ser
a ela apresentados. Meio mesquinho, isso não acha? Meio imaturo. Meio desumano
conosco mesmos. Não se sentar consigo mesmo para um encontro mais íntimo com
quem melhor pode falar de si.
É,
Dona Vida, em nosso íntimo há verdades aguardando um convite, um passeio, um
sentar-se apenas para tomar um café e silenciar, deslumbrando o instante, um ato
de si para si mesmo. Peguei-me assim esses dias, e de quem primeiro
lembrei-me foi de ti. Confesso-o, que, uma vez mais, afundado em lágrimas, não
contive o choro. Chorei, quando percebi que estava perdendo a capacidade de me
reconhecer na minha essência. Chorei, quando não me permiti essa introspecção.
Chorei, quando esvaíram-se-me as forças da coerência e da razão. Chorei, quando
de minhas entranhas já não brotavam o equilíbrio tão necessário à vivência
humana.
Essa
transição do que somos para o que estamos nos tornando – e aqui falo em sentido
de perda, de esfacelamento de valores, de distanciamento de virtudes – faz-se
na tênue linha da rapidez da caminhada de todos nós momento a momento. As
forças liturgicamente divididas ao logo dia – amizade, amor, dor, felicidade,
caráter, a falta dele, algozes, nascimento ou morte, superstição, fé,
desesperança, etc., não necessariamente divididas apresentadas nessa ordem – é
que são responsáveis por esse desligamento da nossa essência. O que vivemos nas
nossas experiências é que se encarrega de nos colocar dentro realidade de
possibilidade ruptura com o que outrora fomos. Todos estamos sujeitos a isso.
Faz parte do caminho que o carrossel de cada um percorre.
Mas
o está também o escolher, outrora torna-se uma das últimas cartas no jogo de
oportunidades. Todas aquelas forças agigantem-se diante de nós e as nossas
reações assemelham-se a insignificantes socos no ar, encurralando-nos em
decisões, cujo sentido, no instante do ato, parece não ter mais sombras de
juízo, equidade ou sensatez. O que resta? Sobram as dores, o amargor da
decepção, o descabido abismo que a alma não suporta. Sobram as lágrimas e uma
frustração indizível. Mas esse sentimento não se descortina no ato como ele, em si, acontecesse. Por vezes, tarda. Tarda a eternidade que uma madrugada em
prantos pode durar. Tarda e tem o tamanho da lágrima – e não se deve conceber
uma lágrima pelo que se pode mensurar dela física e realisticamente; ela tem o
tamanho do que a gerou. Entendes? A lágrima tem o tamanho da saudade daquilo
que se sente falta. A lágrima tem o tamanho daquilo que se perdeu, ou que se
trocou, ou que se negociou e agora longe está do coração.
Sei,
Cara Vida, sei que fazes ideia de tudo quanto aqui é tratado. Do quanto é doloroso
olhar para trás e perceber que, numa curva da caminhada, foram perdidas a
inocência, a sensibilidade de contornar os dissabores e voltar para encontrar
as verdades tão necessárias ao bom andamento do curso. Perdi o rumo de onde elas
repousam e por não sabê-las mais, restou-me um eterno soluço balbuciante,
ecoando no silêncio da minha solidão.
Assim,
Digníssima Vida, compreendi que não preciso de algum estado psicológico para
desnudar-me o interior diante de ti. O emudecimento será sempre resultado de
uma incoerência da minha alma com ela mesma. Será sempre a reverberação de atos
meus, desprovidos de uma consciência regida de valores, de virtudes, mas, o
mais das vezes, necessário para o crescimento como ser vivente. Será sempre a
falta dessa consciência de conhecer meu outro lado, de dialogar com ele,
ladeá-lo numa caminhada à beira da praia, para ouvindo-me dizer que há valores,
há virtudes, há princípios e que, apesar de todas as pressões e expressões que
se me joguem na direção da perda da consciência, embora todas as propostas e
escolhas a mim apresentadas, sempre haverá o cálice da amargura e o da paz, com
o qual posso embebedar-me a alma.
23.01.2020
Jahilton Magno
Comentários
Postar um comentário
VOCÊ FOI EDIFICADO? DEUS FALOU AO SEU CORAÇÃO? FAÇA UM COMENTÁRIO PARA QUE OUTRAS PESSOAS SAIBAM!