João e João.
O Centro Histórico de São Luís estava muito movimentado. Pessoas caminhavam de um lado a outro. A vida se desdobrava nesse vaivém necessário e contínuo. Olhos nem se cruzavam. Gente parecia nem perceber gente. Ambulantes, médicos, frentistas, advogados alunos, professores. Toda sorte de pessoas se esbarrava, sem que suas histórias sequer fossem conhecidas.
João — talvez pedreiro, ou carpinteiro, ou
motorista, quem sabe qualquer profissão —, na velocidade ou calmaria da sua
vida, parou o passo, atentou para o chão, sob a sombra da árvore: viu um
disjuntor. Isso, um disjuntor. Observou com calma. Fixou um pouco mais,
abaixou-se e pegou. Sacudiu com cautela, como quem toma em mãos uma lâmpada
mágica em busca de um gênio. Soprou. Tirou a poeira. Analisou se estava boa.
Mas não poderia testar.
Aproveitou para descansar, pois estava exausto e suado. O sol era
escaldante. Ficou com aquela pequena peça na mão. O que fazer? Pensou estar
perdendo tempo. Olhou de um lado a outro e ficou se perguntando se não estava
fazendo papel de bobo no meio da rua, instigado por uma pequena peça de
plástico e ferro. Olhou novamente. Mexeu a parte do liga e desliga e escutou
certo estalo como se bom estivesse. Sorriu. Mas para que ele levaria para casa
uma peça achada no chão?
Lembrou que ainda tinha um compromisso e que o
tempo estava contra ele. Olhou o pequeno objeto. Sorriu. Olhou para frente, deu
início a sua caminhada e de súbito, atirou o fragmento para trás com força.
Desfez-se a curiosidade. Refez-se a respiração. O calor então diminuíra.
Caminhou rapidamente. Retomou o rumo. Perdeu-se na
multidão e apenas mudou de lugar o material da sua curiosidade. Não lhe valia
nada.
Então, sentado à beira da calçada, outro João — o
Ninguém, catador de lixo, limpador da
cidade —, ouviu a queda da pequena peça e olhou para ela. Não mirou para lado
nenhum — não tinha compromisso com a vergonha nem com a etiqueta; ele nem era
sociedade. Juntou-a. Passou-lhe a mão carinhosamente.
Carregava nas costas um saco grande, cheio de pedaços de esperança.
Limpou a descoberta como quem limpa um quadro, uma obra de arte sacra. Seus
olhos brilhavam. Viu futuro. Viu Sorriso. Viu vida.
Jogou a peça no saco. Levantou-se. Caminhou a
passos apressados e largos. Encontrou alguém que tudo que estivesse em perfeito
estado comprava. Mostrou-lhe o achado. Foi avaliado como bom. Ninguém, ele
sorriu. Esbanjou alegria. Recebeu três reais pelo troço.
João saiu vibrando. Ele sabia por que sorria. Correu
velozmente. Chegou à padaria. Com toda a fortuna, comprou pão. Apressou-se.
Enfim, em casa. Ninguém, ele tinha casa. Tinha
família. Tinha quem o aguardava, como quem aguarda o Papai Noel.
Colocou o pão sobre a mesa. Seu filho o abraçou e comeu. João chorou.
João era feito de carne, osso e sentimento e era
alguém na vida de alguém. Fazia do nada, o alimento e via no nada, uma chance.
By Jahilton Magno
15.02.2015
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